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Sábado, Novembro 23, 2024

Cúpula militar se afasta de radicalismo de Bolsonaro, mas estudiosos veem risco entre oficiais de média e baixa patente

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Um dia após o presidente Jair Bolsonaro comparecer a um novo ato com pautas antidemocráticas, em que disse contar com apoio das Forças Armadas, o Ministério da Defesa se manifestou reforçando o compromisso dos militares com a Constituição.

Em nota assinada pelo ministro (e general da reserva) Fernando Azevedo, a pasta diz que “as Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade”. O comunicado de segunda-feira (4/05) também afirma que “qualquer agressão a profissionais de imprensa é inaceitável”, em repúdio aos ataques violentos a jornalistas e fotógrafos por manifestantes em frente ao Palácio do Planalto, durante o ato de apoio a Bolsonaro no domingo.

Para estudiosos das Forças Armadas ouvidos pela BBC News Brasil, a manifestação do Ministério da Defesa marca um afastamento da cúpula militar do radicalismo do presidente. Estes analistas, no entanto, manifestam preocupação com a possibilidade de oficiais de média e baixa patente aderirem a movimentos autoritários.

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Além da agressão a jornalistas — o fotógrafo Dida Sampaio, do jornal Estado de S.Paulo, chegou a ser derrubado no chão e recebeu socos e chutes —, o ato de domingo em frente ao Palácio do Planalto foi marcado por ataques ao Congresso, ao Supremo Tribunal Federal e ao ex-ministro da Justiça Sergio Moro que se demitiu acusando Bolsonaro de querer intervir na Polícia Federal.

Em discurso feito na rampa do Palácio do Planalto, Bolsonaro disse: “Vocês sabem que o povo está conosco. As Forças Armadas, ao lado da lei, da ordem, da democracia, da liberdade e da verdade, também estão ao nosso lado. Quanto aos algozes, peço a Deus que não tenhamos problema esta semana, porque chegamos no limite. Não tem mais conversa”.

Duas semanas antes, ele fez manifestação de teor semelhante em outro ato de caráter autoritário realizado por seus apoiadores em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília.

Para Antonio Jorge Ramalho da Rocha, professor de relações internacionais da UnB, com pesquisa nas áreas de segurança internacional e defesa nacional, “hoje, não há dúvida acerca da unidade de comando e do compromisso das cúpulas militares com as instituições e valores democráticos vigentes, embora todos estejamos de acordo em que há muito o que fazer para melhorar nossas instituições e práticas políticas”.

“Mas, com o passar do tempo, não é impossível o surgimento de divisões internas em relação a esse compromisso das Forças com o Estado. E esse risco cresce na proporção da participação de oficiais da ativa no governo”, acredita.

O número de militares ocupando cargos civis no governo federal se aproxima de 3 mil. Em março, eram 2.897 os cedidos por Exército, Marinha e Aeronáutica para outras áreas, segundo dados do Ministério da Defesa repassados à BBC News Brasil em março. Eles ocupam desde funções no terceiro e segundo escalão da administração federal a postos na alta cúpula do governo, com destaque para três ministérios localizados dentro do Palácio do Planalto — Casa Civil (general da reserva Braga Netto), Secretaria de Governo (general da ativa Luiz Eduardo Ramos) e Gabinete de Segurança Institucional (general da reserva Augusto Heleno).
Relação ambígua

O cientista político Octavio Amorim Neto, professor da Ebape/FGV, diz que as Forças Armadas estão em uma “situação extremamente ambígua” dentro da gestão Bolsonaro. Por um lado, não tinham tanto poder político desde 1985, ano da redemocratização do país após duas décadas de ditadura militar. Por outro, a cúpula das Forças Armadas tenta diferenciar o que é a instituição do que é governo, salientando que os ocupantes dos cargos mais altos já estão na reserva ou se licenciaram da carreira militar, caso do ministro Ramos.

“Essa situação muito turva, ambígua, vai gerando riscos crescentes de, de repente, um ator individual menor, tomar uma decisão mais ousada e o processo desandar para uma grande crise política”, acredita.

O professor exemplifica sua tese lembrando da crise de segurança pública gerada pelo motim de policiais militares no Ceará, em que o senador Cid Gomes (PDT-CE) chegou a ser baleado quando enfrentou os grevistas. Na época, analistas da área de segurança pública viram o risco de alastramento da crise para outros Estados, por causa do fortalecimento político da categoria policial, grupo muito presente na base eleitoral de Bolsonaro.

“Até o momento, os comandantes das três Forças (Exército, Aeronáutica e Marinha) que têm dado o tom das Forças Armadas. E se oficiais intermediários começarem a se manifestar? Aí a questão da integridade das Forças Armadas vai entrar em risco. Numa situação tão tensa como essa, alguém pode perder o autocontrole”, acrescenta Amorim Neto.
Manifestação das Forças Armadas não é normal

Também chama atenção na manifestação do Ministério da Defesa a importância dada ao combate da pandemia de covid-19, doença que já matou mais de sete mil brasileiros, mas foi chamada de “gripezinha” por Bolsonaro.

“Enfrentamos uma pandemia de consequências sanitárias e sociais ainda imprevisíveis, que requer esforço e entendimento de todos”, diz a nota, pregando união em um momento que o presidente tem entrado em conflito com governadores, Congresso e Judiciário.

No entanto, embora os dois professores ouvidos pela BBC News Brasil tenham considerado positivo o teor da nota, ambos destacaram que não é “normal” as Forças Armadas se manifestarem politicamente em uma democracia.

“A nota é clara e inequívoca. Reafirma o compromisso das Forças Armadas com a ordem constitucional vigente, o que inclui o respeito à liberdade de expressão e de imprensa, além da preocupação em dar uma resposta às crises que a sociedade enfrenta hoje. Não há motivo algum para duvidar do compromisso da cúpula das Forças com esses valores”, afirma Ramalho da Rocha, da UnB.

“É lamentável, apenas, que o Ministro da Defesa tenha considerado necessário emitir uma nota oficial com esse teor, a qual obviamente seria anacrônica em outras circunstâncias. Quando os generais precisam vir a público para dizer que não apoiariam um golpe é porque existe a percepção de que essa possibilidade está sendo considerada por atores políticos”, ressalta ele.
Recado também para Congresso e Judiciário

Por outro lado, a manifestação do Ministério da Defesa também traz uma sinalização para o Congresso e o Judiciário, acredita Amorim Neto. Logo no início, após dizer que “as Forças Armadas cumprem a sua missão Constitucional”, o comunicado destaca que “Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do País”.

Para o professor da FGV, esse trecho está relacionado com a insatisfação dentro das Forças Armadas com o que é visto como ações de interferência do Judiciário e do Legislativo no Executivo.

No caso do Congresso, houve uma forte crise no início do ano envolvendo a disputa pelo controle de parte Orçamento da União, em que o general Heleno foi gravado sem saber chamando o Parlamento de chantagista e mandando um “f*da-se” aos congressistas.

Já o STF tem tomado uma série de decisões limitando a atuação de Bolsonaro, o que alguns juristas veem como um controle de abusos do presidente, enquanto outros consideram haver excessos por parte de ministros da Corte.

As decisões mais recentes que irritaram o presidente e seus ministros militares foram a liminar do ministro Alexandre de Moraes que impediu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para chefiar a Polícia Federal e o veto do ministro Luís Roberto Barroso à expulsão de diplomatas venezuelanos do Brasil.

Moraes impediu a nomeação de Ramagem devido à amizade do delegado federal com filhos do presidente, enquanto Barroso considerou não ser adequado extraditar estrangeiros em meio à pandemia de coronavírus.

Para Amorim Neto, Bolsonaro usa as Forças Armadas justamente como uma forma de se proteger da reação dos outros Poderes ao seu governo. Ele nota que o presidente mantém uma agenda frequente de comparecer a cerimônias militares, numa rotina muito diferente da de seus antecessores.

Assim como não vê condições hoje para uma ruptura institucional do presidente com apoio dos militares, o professor da FGV também não observa no momento perspectiva de uma queda de Bolsonaro por um processo de impeachment. Por isso, acredita, o país continuará em um cenário de “grande incerteza e instabilidade”.

“E o jogo do Bolsonaro vai continuar sendo o de envolver as Forças Armadas nas suas manobras políticas, para forçar o Congresso e o STF a não limitá-lo, não controlá-lo”, afirma.

*colaborou Matheus Magenta, de Londres

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