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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Michael Jordan e a trama de sua obra máxima

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A série documental ‘The Last Dance’ investiga o sucesso e as turbulências no interior dos Bulls no ano de seu sexto título da NBA

Tinham o melhor, Michael Jordan, estavam escrevendo páginas para a história do desporto mundial, podiam ganhar o sexto título da NBA e sentiam que a temporada 1997-1998 seria a última do grupo. Os Bulls eram idolatrados. A atracção por Michael Jordan, puro talento e magnetismo, continha os ingredientes mais sugestivos. Sua biografia, apesar de naquela temporada completar 34 anos, já era densa e incluía episódios tão escabrosos como o assassinato de seu pai em 1993 e tão insólitos como sua primeira aposentadoria do basquetebol para jogar basebol profissional um ano depois, sua obsessão pelo golfe e as apostas e o lado obscuro de sua personalidade já revelado por Sam Smith, jornalista do Chicago Tribune, no livro The Jordan Rules, publicado em 1992.

Seguir com uma câmara o interior dos vestiários, dos escritórios, dos hotéis e dos aviões onde se tecia a obra suprema daquele astro e daquela equipe parecia um sonho utópico. Mas no outono de 1997, Michael Jordan, o treinador de Phil Jackson e o proprietário da franquia de Chicago, Jerry Reinsdorf, concordaram em permitir que uma equipe de filmagem da NBA Entertainment acompanhasse a equipe durante toda a temporada. As 500 horas de imagens inéditas obtidas compõem a matéria-prima da série de dez episódios The Last Dance, que estreou na ESPN, neste domingo, nos Estados Unidos e na Netflix, nesta segunda-feira, no restante do mundo. O título já estava pronto desde que Phil Jackson teve a ideia de motivar seus jogadores com essa perspectiva, a de uma última vez, uma última dança, como ele chamou, para culminar a epopeia com o sexto título da equipe. “Michael Jordan e os Bulls dos anos 90 não eram só super-estrelas mundiais do desporto, eram um fenómeno mundial”, diz o director da série, Jason Hehir.

Já era de domínio público que, apesar de terem ganho cinco anéis nos sete anos anteriores, a situação era explosiva no interior daqueles Bulls. O futuro de Phil Jackson, Michael Jordan, Scottie Pippen e Dennis Rodman, no último ano de seus contratos, era bastante incerto. O mau relacionamento e as divergências de quase todos com Jerry Krause, o director-geral, se tornavam insustentáveis. “Mesmo que você termine em 82-0, não continuará”, dissera Krause a Phil Jackson. Já na pré-temporada, o treinador avisara seus jogadores. “Krause disse que são as organizações que ganham os campeonatos, não os jogadores nem os treinadores. Assinei um contrato de mais um ano com os Bulls e sei que têm planos de contratar outro treinador para o próximo ano, possivelmente Tim Floyd, do Iowa State.” Jordan acrescentou: “É uma maneira ruim de terminar uma carreira incrível”.

O factor emocional está latente na série, que tenta desvendar os meandros daquela equipe, a glória e a miséria. “Foi uma oportunidade incrível para explorar o impacto extraordinário de um homem e uma equipe”, diz Jason Hehir. “Durante quase três anos, enveredamos por todas as partes para apresentar a história definitiva de uma dinastia que definiu aquela era e para mostrar o perfil humano desses heróis do desporto”. Mais de uma centena de protagonistas da época contribuem com seus testemunhos para a série, caso de Phil Jackson, Scottie Pippen, Dennis Rodman e Steve Kerr, então integrante dos Bulls e agora treinador do Golden State, além de personalidades como Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, um seguidor fiel da equipe.

Michael Jordan não consegue conter as lágrimas quando se pergunta a ele se vale a pena ser tão dominante à custa da sua reputação pessoal. “Ganhar tem um preço”, afirma. “E a liderança tem um preço. De modo que arrastei as pessoas para onde não queriam ser levadas. Eu as desafiei quando não queriam que as desafiassem. E conquistei esse direito porque meus colegas de equipe não suportaram todas as coisas que eu tive que suportar. Uma vez que você entra para o time, precisa viver de uma maneira semelhante a como eu vivo o jogo. Não ia me conformar com menos. Se isso significa que você precisa apertar um pouco os parafusos, foi o que eu fiz. O que nunca fiz foi pedir a eles algo que eu não estivesse fazendo”.
Dinheiro e lealdade

O desgaste das relações entre Krause e o elenco chegou a tal ponto que Michael Jordan revelou numa entrevista: “Amo a cidade, mas só jogarei se for para o Phil. Uma coisa é certa: o dinheiro não me manterá no jogo. Nunca. Simplesmente, que mudem o director-geral e deixem que o Phil seja o director-geral e o treinador. Krause? Não quero começar uma guerra aqui. Só digo que às vezes é difícil trabalhar para uma organização que não mostra lealdade com a gente”. Não lhe deram ouvidos.

Frente a todas as polémicas e perspectivas ruins, o grupo se manteve centrado na obtenção do sexto título. “Tudo aquilo não deveria ter sido assunto de conversas. Infelizmente, foi. Mas uma vez que você entrava em quadra, não importava. Não me desfocava. Mantivemos um compromisso connosco mesmos: conquistar o título. E depois avaliaríamos as opções.” Alcançaram aquele o objectivo, o sexto título em oito anos, o último daquele grupo. Não renovaram o contrato com Phil Jackson, Michael Jordan se aposentou, e os Bulls ficaram de fora dos playoffs nas seis temporadas seguintes, e nunca mais voltaram a disputar uma final.
A cesta da sua vida

Os Bulls conseguiram aquela sexta coroa em 1998 de uma forma assombrosa. Concluíram a fase regular na primeira posição da Conferência Leste, com 62 vitórias. Seu balanço era idêntico ao do Utah Jazz, líder na Conferência Oeste. Nos playoffs, varreram os Nets e o Charlotte. Na final regional, os Pacers de Reggie Miller e Rik Smits levaram o duelo até o sétimo jogo. Mas Jordan, com 28 pontos, e Kukoc, com 21, sentenciaram a passagem à finalíssima. Aguardavam-nos o Utah Jazz de John Stockton e Karl Malone, ansiosos por uma revanche da final do ano anterior, resolvida por 4-2, depois de dois duelos muito igualados na conclusão da série. No final de 1998 voltou a sê-lo. Os Bulls perderam a primeira partida, mas encadearam três triunfos. O Jazz ganhou o quinto encontro por dois pontos. O sexto foi disputado em Salt Lake City. Uma magnífica ocasião para que o time comandado por Jerry Sloan forçasse o sétimo jogo. Não conseguiu.

A magia de Jordan, no momento culminante da sua carreira, impediu. Um triplo de Stockton faltando 41 segundos pôs o Jazz na frente (86-83). O resto ficou a cargo de MJ. Fez uma cesta faltando 37 segundos (86-85). Roubou uma bola de Karl Malone faltando 18. Cruzou a quadra, driblou, frenou, estancou diante do aro e, a 6,6 segundos do fim, anotou uma cesta para a história (86-87). Restavam ainda 5,2 segundos para uma última acção. Stockton falhou.

“Não sei se alguém podia escrever um roteiro tão dramático”, disse Phil Jackson. “Babe Ruth, Joe Louis, Jackie Robinson, Muhammad Ali… Eles definiram o desporto americano deste século [o XX]. Agora, aí está Michael Jordan”, escreveu o Boston Globe. Nada nem ninguém conseguiu convencê-lo a mudar de opinião. Nem sequer os mais de 300.000 torcedores que, 36 horas depois, celebraram o triunfo no Grant Park de Chicago. “Mais um ano!”, gritavam em coro. Mas MJ, aos 35, aposentou-se pela segunda vez. Três anos depois, em 2001, voltou às quadras com uma das piores equipes da NBA naquela época, os Washington Wizards. Com 40 anos, disputou a última partida de sua carreira em 16 de Abril de 2003.

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