É um problema pouco falado, mas que está a prejudicar o povo moçambicano, segundo o CIP: a falta de transparência nas parcerias público-privadas que beneficia a elite do país. Pesquisador Borges Nhamire pede mudanças.
O problema não é novo, mas continua a ser pouco falado, segundo Borges Nhamire, pesquisador do Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique.
No país, parece haver uma falta de transparência crónica relativamente a projectos de parcerias público-privadas (PPP). O problema também não passa despercebido ao Tribunal Administrativo moçambicano. No parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2017, o tribunal refere que “no âmbito das parcerias público-privadas, foi constatado que não há evidência de os sectores de tutela […] possuírem relatórios de desempenho dos empreendimentos realizados”.
Ainda assim, segundo Nhamire, nem a sociedade civil, nem os políticos do partido no poder ou sequer da oposição têm feito o suficiente para alumiar os negócios “ocultos” que estão a “prejudicar o Estado e o cidadão moçambicano”.
O pesquisador do CIP veio até Berlim para falar sobre os riscos das parcerias público-privadas, numa conferência que teve lugar esta terça-feira (10.09) na fundação Friedrich Ebert, na capital alemã. Em entrevista à DW, Borges Nhamire apela aos moçambicanos para pressionarem os dirigentes, exigindo “mais justiça e transparência” na concessão e gestão de projectos de PPP.
DW África: Em Moçambique, tem havido sobretudo bons ou maus casamentos entre os Estado e os privados?
Borges Nhamire (BN): Os casamentos são maus. Os projectos de parcerias público-privadas (PPP) representam grandes prejuízos para o Estado. Temos neste momento em Moçambique mais de uma dúzia de projectos, que são geralmente grandes projectos de gestão de infraestruturas públicas como portos, caminhos de ferro, estradas e pontes, com um problema comum de falta de transparência e integridade na forma como são concessionados. Podemos falar concretamente da gestão dos portos da Beira, de Maputo e de Nacala, ou de estradas como a N4, conhecida por Maputo-Witbank, e mais projectos, que em comum têm o facto de não prestarem contas. Neste momento, não se sabe quanto é que esses projectos têm de receitas e quanto pagam de impostos.
DW África: O povo moçambicano está a ser prejudicado com estas PPP?
BN: Certamente que está a ser prejudicado, porque, olhando para os poucos relatórios a que tivemos acesso, resultado do nosso trabalho de investigação, apurámos grandes prejuízos. Por exemplo, se olharmos para a gestão do porto de Nacala, que está concessionado à CDN (Corredor de Desenvolvimento do Norte), durante muito tempo, a gestão foi negativa, levando à degradação do porto. E o Estado teve de intervir recorrendo a um crédito externo de mais de 300 milhões de dólares, da JICA [Agência Japonesa de Cooperação Internacional], para poder reabilitar o porto. Ou seja, o Estado recorreu a dívida pública para financiar a reabilitação de um porto que está concessionado a uma entidade privada. Mas o cidadão também está a ser prejudicado. Podemos falar, por exemplo, das portagens instaladas na N4, em que se pratica preços muitos elevados, e não há uma prestação de contas de quanto é que a concessionária da estrada está a receber e quanto está a investir na manutenção da estrada. É um negócio oculto que está a prejudicar o Estado e o cidadão moçambicano.
DW África: Este é um tema suficientemente abordado pelos políticos?
BN: Não. É um tema que, infelizmente, é relegado para a margem da sociedade. Muitos moçambicanos não estão a debater isso. Os políticos não estão a debater isso, incluindo a oposição.
DW África: Acho que o Estado moçambicano poderá aprender com os erros até aqui?
BN: O Estado precisa que o povo moçambicano lute por isso. Não há conquistas que venham de bandeja. As elites políticas são beneficiárias das PPP. Se olharmos para os projectos de PPP há sempre a participação de pessoas ligadas ao poder, ligadas à direcção. Para falar de um caso concreto, na gestão do porto de Maputo, há uma empresa que faz parte do projecto, a Mozambique Gestores, com accionistas que incluem antigos Presidentes, ministros, deputados. A mesma coisa na gestão do porto de Nacala e na gestão do porto da Beira. Então, se o povo não se levantar e exigir mais justiça e transparência na gestão dessas infraestruturas que são da Nação, destas e das futuras gerações, não será o Estado a aprender sem que seja por pressão pública.
DW África: Que lições há a tirar em relação a esta questão?
BN: Das reuniões que temos cá, na Alemanha, a grande lição que há é a da possibilidade de uma parceria para a criação de uma espécie de coligação internacional para defender a transparência das PPP, pressionar um pouco instituições como o Banco Mundial, que é um dos principais financiadores das PPP, e vermos que, afinal, este é um problema global.