Inquérito mostra o retrato de um povo com fé, mas que desconfia de padres. Gente que se preocupa com as crianças, mas pouco com os mais velhos.
O JN pediu aos portugueses que se vissem ao espelho e eles, como sempre, desenrascaram-se. Em alguns casos, com respostas que correspondem a perceções enraizadas, noutros com resultados mais surpreendentes.
Demolidores e pessimistas relativamente a alguns dos nossos piores defeitos. Deslumbrados e otimistas com algumas das nossas qualidades. Ainda assim, há que evitar precipitação no desenho do retrato de família. Porque já se sabe que, a cada cabeça, cada sentença.
Nos resultados de uma sondagem da Pitagórica para o JN, há duas conclusões que se destacam de todas as outras, pela esmagadora confluência das respostas. A primeira é que na família não se toca. Não existe nada nem ninguém em que os portugueses mais confiem (87%).
A segunda é que, antes de qualquer outra característica, boa ou má, somos desenrascados (78%). Talvez porque, na imagem que chega do outro lado do espelho, também reconhecemos alguma dificuldade em cumprir as regras (31%) e falta de organização (36%).
“São faces da mesma moeda”, argumenta João Teixeira Lopes, o sociólogo que desafiamos a “desenrascar” uma leitura de algumas das respostas. “Os portugueses gostam de se encaixar no retrato robô” de quem sabe “lidar com o inesperado”. Característica que “bate certo com a ideia de não sermos organizados”.
E se não há nisso contradição, talvez não haja também no facto de nos dizermos trabalhadores (67%) e com uma boa imagem lá fora (56%), mas simultaneamente disponíveis para fugir aos impostos (50%) e com tendência para a corrupção (41%). Feitas as contas, gente honesta? Talvez sim (25%), talvez não (18%), melhor será que fiquemos pelo mais ou menos (51%), que não compromete ninguém.
Voltemos às questões familiares. Que dizer do facto de reconhecermos o nosso cuidado com as crianças (64%), mas nenhuma ou pouca preocupação com os idosos (36%)? Esta última resposta é das que mais surpreende Teixeira Lopes. Quando se faz inquéritos sobre valores aos portugueses, “o primeiro é sempre o laço familiar”, explica.
O sociólogo não isenta o entorno familiar de responsabilidades, mas arrisca que as respostas possam estar mais ligadas à “perceção de que os idosos não estão a ser bem tratados pelo Estado social, pelos serviços públicos”.
Seriam necessárias novas perguntas para ter certezas, mas também não é uma questão de fé. Ainda que a fé abunde entre os portugueses, a julgar pela concordância de dois terços (64%) na resposta e a quase ausência de opiniões contrárias (6%). Ainda assim, parece ser “uma fé sem igreja”, argumenta Teixeira Lopes.
Basta olhar um pouco melhor para o gráfico que acompanha este texto para descobrir que a maioria dos portugueses (48%) tem pouca ou nenhuma confiança em padres. “Somos religiosos à la carte”, diz o sociólogo. “Há uma relação com Deus, mas a vida é dissociada das instituições religiosas”.