O ministro das Finanças Mário Centeno foi eleito a personalidade do ano pela redacção do Negócios.
‘Que ano!’, pensará Mário Centeno nestes últimos dias de Dezembro, e com razão.
As primeiras notícias de 2017 não auspiciavam nada de bom. A agenda mediática estava dominada pelos ditos e não ditos quanto às condições de confidencialidade de salários oferecidas a António Domingues, o gestor que o ministro havia escolhido para liderar a Caixa, e que bateu com a porta meses antes dizendo-se traído. A polémica foi tal que o Presidente da República chegou a apoiar a continuação de Centeno no Governo apenas por atender “ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira”. Quem diria na altura que hoje estaria nomeado para liderar o poderoso grupo dos ministros das Finanças da Zona Euro.
Este é mais um episódio na história do economista do Banco de Portugal que nos últimos anos bateu várias vezes as baixas probabilidades que o destino lhe concede. Depois de Carlos Costa lhe ter vedado o acesso à liderança do banco central, chegou a coordenador de um grupo de reconhecidos economistas de centro-esquerda que desenharam o programa económico do PS; de seguida, passou de pensador liberal a ministro das Finanças de um executivo apoiado por PCP e Bloco de Esquerda, partidos que nunca tinham apoiado um governo, e que sempre criticaram Centeno pela ideologia de mercado; finalmente, de ministro com pouco jeito político e fragilizado pela CGD salta para líder dos ministros do Eurogrupo que tantas vezes criticou.
Destes sucessos nenhum foi tão debatido como a liderança do Eurogrupo, por muitos considerava inacessível. Marques Mendes, ex-líder do PSD, chegou mesmo a dizer que a hipótese parecia “uma partidinha do dia das mentiras”. É verdade que não era fácil antecipar a conjungação de desenvolvimentos que levaram Centeno ao pódio, e que vão do desempenho económico interno ao tabuleiro político europeu, a que se juntou, também, alguma sorte.
Na frente económica, o ano fica marcado pela descida do défice perto de 1% do PIB; pela aceleração do crescimento para o ritmo mais elevado da década e pela descida do desemprego para valores pré-crise; e pela conclusão do processo de estabilização da banca. Tudo isto contribuiu para o fecho do Procedimento dos Défices Excessivos por Bruxelas, e para as subidas de rating que tiraram Portugal do lixo e ajudaram a baixar juros para valores inferiores aos italianos. Se a economia foi decisiva, também não conta tudo. Centeno beneficiou do facto de a direita europeia liderar grande parte dos altos cargos europeus (Comissão Europeia, Parlamento Europeu, e Conselho da UE, por exemplo), dando espaço a um socialista no Eurogrupo, e de muitos políticos na Europa quererem afastar-se da austeridade. Finalmente, alguma sorte: as eleições alemãs e as extensas negociações para um governo de coligação limitaram o apoio que Angela Merkel poderia ter dado a candidatos mais à direita, mesmo entre socialistas.
No fim, para a história fica a nomeação de Centeno, e mais uma vitória sobre as baixas probabilidades, o que aconselha cautela nas previsões sobre o seu futuro. (Negocios)
por Rui Peres Jorge