O BESA é sobejamente conhecido dos angolanos. Presente no país desde 2002, é o maior banco privado por activos. O actual chairman, Álvaro Sobrinho ocupa igual cargo no PEI, ao passo que José Octávio Van-Dúnem, administrador com o pelouro dos recursos humanos e formação, é o chairman do CESSAF. Do lado das universidades “alinham” a Agostinho Neto, que “joga” em casa, e os britânicos da Newcastle, uma das mais reputadas do mundo em Ciências da Terra. Há a somar as parcerias com a Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil) e o Indian Institute of Technologie (Índia).
A parceria inclui ainda a Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil) e o Indian Institute of Technologie (Índia)
Apresentados os parceiros falta detalhar o que os une. O referido CESSAF é um centro de excelência baseado na Universidade Agostinho Neto (no novo campus da Camama), que visa criar o primeiro doutoramento em Ciências Aplicadas para a Sustentabilidade. O objectivo da instituição é formar 100 doutorados (“Phd”, na terminologia académica) nos próximos dez anos. As candidaturas foram abertas em Janeiro e os futuros “professores doutores” terão direito a uma bolsa de estudo para quatro anos, que cobrirá todos os custos académicos e de alojamento (o investimento anual está avaliado em cerca de 60 mil dólares por doutorando).
O arranque efectivo será em 2014 com dez alunos, dos quais cinco serão nacionais e os restantes de outros países africanos. As aulas irão decorrer em Luanda e em Newcastle (Reino Unido) e o programa de doutoramento será centrado em quatro vertentes — ambiente e sociedade (liderado por Tina Abreu), agricultura sustentável (por Cristina Borges), gestão de recursos naturais (por Emídio Lopes) e combate à poluição (por Lopes Baptista). Os professores angolanos terão o apoio da equipa de especialistas da Universidade de Newcastle (liderada pelo galego Jaime Amezaga).
Bolsa de 60 mil dólares por doutorando
“Os quatro professores angolanos estão neste momento em Newscastle a frequentar um programa de formação para formadores”, esclareceu José Van-Dúnem. Fazem ainda parte da equipa dirigente do CESSAF a ministra da Ciência e Tecnologia, Maria Cândida Teixeira, e o presidente do comité científico do PEI, Paul Younger.
Os académicos internacionais que compõe o referido comité estiveram reunidos em Luanda para debater o plano de actividades do CESSAF. Tal “reunião de cérebros” teve dois momentos mediáticos. O primeiro, foi a realização da conferência sobre os desafios urbanísticos de Angola, que contou com a participação, entre outros, do especialista indiano Mukesh Khare (veja caixa). O segundo, foi a apresentação pública do CESSAF. Na sua alocação inicial (“em português”, como fez questão de frisar) Álvaro Sobrinho destacou as virtudes desta parceria, iniciada entre angolanos e britânicos e que agora foi alargada a sul. “A Índia e o Brasil têm muitas semelhanças com Angola. Ao nível do crescimento populacional, dos problemas ambientais e do aproveitamento energético, por exemplo. Até na Europa há diferenças entre países do Norte e do Sul.” Antecipando a questão de por que se está a investir num programa de doutoramento num país que ainda revela tantas carências no ensino básico afirmou: “O Reino Unido também quase não tinha doutorados após a Segunda Guerra Mundial. Focámo-nos nos programas de doutoramento porque acreditamos que isso terá um efeito de cascata. Temos orgulho em sermos pioneiros no desenvolvimento científico e da investigação em Angola, algo que tencionamos replicar noutros países de África.”
O chairman do BESA acrescentou que um dos maiores desafios do continente é a capacidade de reter talentos, aos quais é necessário pagar bons salários. Afinal, segundo as estatísticas apuradas pelo PEI, há cerca de 70 mil alunos que abandonam África todos os anos. E, desses, apenas 50% regressam. Outro número preocupante é que o continente tem apenas 6% de pessoas que concluem o ensino universitário (face à média mundial de 25%). Um terceiro problema é os cerca de 20 mil profissionais qualificados que abandonam, todos os anos, os seus países de nascimento. Esta “fuga de cérebros”, segundo o departamento de estudos africanos da Universidade de Harvard, representa uma perda para África avaliada em 4 mil milhões de dólares.
A “tese” foi subscrita por Richard James Wildash, embaixador do Reino Unido em Angola, que começou por partilhar a ligação sentimental que têm com a Universidade de Newcastle, onde a sua filha mais velha se licenciou. O diplomata recordou o episódio, não menos emotivo, da visita do primeiro-ministro britânico a Angola, em 2002, na qual fez questão de colocar a Universidade Agostinho Neto no topo da agenda. “Na altura, ele ofereceu sementes à reitoria, em alusão ao investimento que é necessário fazer no ensino universitário que, mais tarde, dê frutos à sociedade.”
Prémios e programas de intercâmbio
O programa vai arrancar em 2014 com dez alunos: cinco angolanos e cinco de outros países africanos
Na intervenção que se seguiu, o actual reitor, Orlando da Mata, esclareceu que além de criar doutores em Ciências da Terra, o CESSAF (que passou a ser o décimo centro de investigação da faculdade) visa promover a realização de estudos e de pesquisa aplicada sobre o tema. Está igualmente prevista a atribuição de prémios de investigação e a celebração de programas de intercâmbio com outros países africanos. O reitor manifestou particular orgulho na parceria com a Universidade de Newcastle que considera “uma referência a nível mundial”.
A sessão terminou da melhor maneira, com a alocução de lorde Paul Boateng, que acumula as nacionalidades ganesa (onde nasceu) e britânica (pátria de adopção). O antigo alto comissário do Reino Unido na África do Sul (que foi secretário de Estado do Tesouro e ministro da Saúde de “Sua Majestade”), fez um verdadeiro “discurso de sapiência”. Dono de uma voz forte, cujo sotaque tipicamente britânico adensa a carga emocional, lorde Paul recordou as palavras do académico espanhol Manuel Castells quando este afirmou que “nenhum país, sem inovação universitária, pode participar na economia global”. Recordou também, citando um carismático “africanista” ganês James Aggrey, que “o ensino universitário de excelência deverá combinar o melhor do Este e do Oeste”. Rematou dizendo que “é isso, precisamente, que o CESSAF se propõe fazer”. Nas palavras do embaixador britânico: “Missão impossível? Não. É apenas uma missão desafiante”, disse em português.
LIÇÕES DE URBANISMO MADE IN INDIA
NUMA ALTURA EM QUE SE PRETENDE MELHORAR OS ACESSOS À CAPITAL — COMBOIO, METRO E ATÉ LIGAÇÕES FLUVIAIS — VALE A PENA MEDITAR NO EXEMPLO DE NOVA DELI
José Octávio Van-Dunem abriu o debate dedicado ao urbanismo em Luanda queixando-se do trânsito. Passados alguns minutos, quando o reitor da Universidade Agostinho Neto, Orlando da Mata, usava da palavra, deu-se uma falha de energia. Os outros participantes da mesa-redonda, reputados académicos internacionais, não disfarçavam a incredulidade. Os luandenses, porém, conhecem bem tais problemas que condicionam o urbanismo e a qualidade de vida na capital.
Esse foi um dos pontos sublinhados por António Gameiro, presidente da Ordem dos Arquitectos. “Além do crescimento descontrolado das construções e do estancamento das habitações clandestinas, dois problemas que o Executivo está a atacar de frente, subsistem carências de infra-estruturas que geram a perda de qualidade de vida. Por melhores que sejam os planos directores, os principais constrangimentos são a nível municipal.” O mais grave, segundo António Gameiro, é que segundo as estatísticas da ONU, desde o terceiro trimestre de 2008 que a população urbana do planeta já passou a rural. “Em 1960, 11% da população mundial viviam nas cidades. Hoje, o valor ronda os 57%”, alerta. O caso é mais grave nos países emergentes, cuja população cresce mais rápido. Só que, como sublinha António Gameiro “as teorias sobre como as cidades devem funcionar vêm dos países desenvolvidos, mas os verdadeiros problemas estão nos emergentes”.
Nem de propósito a intervenção seguinte pertenceu ao indiano Mukesh Khare, doutorado pela Universidade de Newcastle e professor no Instituto de Tecnologia de Nova Deli. O orador começou por referir que estava bem identificado com os problemas de Luanda. “Demorei 45 minutos do aeroporto ao hotel. Nova Deli também era assim há poucos anos, mas as coisas melhoraram.” Vale a pena perceber o que mudou na cidade que está longe de ser um exemplo de qualidade urbanística.
Mukesh abordou, em primeiro lugar, aspectos mais teóricos que se prendem com a burocracia pública que impede a quantificação dos problemas e a tomada rápida de decisões. “A minha área de especialidade é o controlo da poluição. Na Índia nós tínhamos três organismos públicos a tratar do mesmo assunto. Hoje, está tudo centralizado”, exemplifica.
Mas a parte mais interessante da palestra foi a enumeração de soluções que minoraram o caos do trânsito em Nova Deli, onde há 5,5 milhões de veículos cadastrados. O primeiro, foi o uso de gás natural comprimido (CNG, em inglês), em vez de gasóleo, para alimentar a frota pública de autocarros. “Deixou de haver fumo negro nas ruas e a qualidade do ar melhorou consideravelmente.” Em segundo, introduziu-se o sistema BRT (Bus Rapid Transit — veja EXAME n.º 15) com faixas de rodagem próprias para autocarros. JAIME FIDALGO
(Exame Angola)