Após 60 anos da independência de República Democrática do Congo, a paz é um sonho para muitos congoleses. Pesquisadores acreditam que violência colonial tornou-se transgeracional, e o processo de cura está distante.
A vitalidade da República Democrática do Congo pode ser notada pela riqueza da sua natureza exuberante, que deveria tornar-se decisiva para o desenvolvimento do gigantesco país da África Central. O território congolês tem jazidas de ouro, urânio, cobre e diamantes. Na opinião de diversos analistas, as riquezas naturais em abundância mergulharam o país e o seu povo numa espiral agonizante de ganância e violência, que perdura devido a factores sociais complexos.
O destino de mais de cem anos de pilhagem e terror foi selado pela Conferência de Berlim, que em 1885 concedeu ao Rei Leopoldo II da Bélgica a Bacia do Congo. O chamado “Estado Livre do Congo” serviria ao único objectivo de enriquecer o monarca. Era uma máquina que funcionava às custas da população congolesa. Quem desafiasse o rei era submetido a castigos brutais.
Esse regime perdurou até à independência, a 30 de Junho de 1960. Logo que os horrores do castigo brutal ligado à produção de borracha de Leopold foram relegados à história, Mobutu Sese Seko criou um novo sistema de exploração baseado nos depósitos inesgotáveis de cobre da província de Katanga. O governante excêntrico que renomeou o país, criando o Zaire em 1971, enriqueceu um pequeno grupo de pessoas.
Seria esse um legado da era colonial? O coordenador da Rede Ecuménica da África Central (ÖNZ), Gesine Ames, diz que “a administração colonial belga fez todos os esforços para impedir a emergência de uma classe social política e académica”. Mobutu conseguiu tirar partido do vácuo de poder resultante e manter-se no poder durante mais de trinta anos.
Espiral de violência
Semelhante ao que ocorreu nos anos 1960, a transição política nos anos 1990 se deu por armas e caos. Mesmo entre os sucessores de Mobutu, a violência e a opressão continuaram a ser meios empregado para manter o poder. Os conflitos, especialmente no Leste do Congo, repetem-se com diferentes actores e tornaram-se o fio condutor na história do país.
“A espiral de violência continua nas gerações após o período colonial. Especialmente na parte oeste do país, assolada por conflitos, a geração seguinte viveu e internalizou muita violência”, diz Ames.
Para o analista ouvido pela DW África, a falta de políticas públicas para lidar com a violência e os traumas facilita que “a experiência violenta seja transmitida e as pessoas afectadas recebem pouca ajuda. Dificilmente são encontrados psicólogos a trabalhar nisso. (…) Este tipo de processamento de experiências violentas não é de todo conhecido. No entanto, a necessidade de apoio psicológico é enorme”.
Para interromper a espiral de violência, tratar o trauma é crucial. O professor de Psicologia na Universidade de Constança, Thomas Elbert, desenvolve pesquisas com pessoas traumatizadas pela guerra e pela tortura. “A conclusão é muito clara: a violência gera violência”, diz Ebert na entrevista DW. “Podemos presumir que a violência excessiva das potências coloniais também aumenta a vontade de usar a violência e a agressividade na população afectada”.
Para Elbert, não seria fácil parar este processo uma vez que ele seja posto em marcha. A chave para romper este espiral estaria nos primeiros anos do desenvolvimento humano, explica o psicólogo. Se a mãe tiver experimentado violência grave durante a gravidez, ela dá à criança outros sinais. A criança prepara-se para a violência e reage de forma diferente aos estímulos que geram a agressão. Desta forma, o limite de inibição para infligir sofrimento a outras pessoas é reduzido.
A violência pode ser genética?
Com base em estudos com crianças-soldados no leste do Congo, Elbert conseguiu provar que a chamada epigenética – ou seja, não o material genético em si, mas a actividade dos genes – muda sistematicamente quando as crianças são submetidas à violência maciça. “Desta forma, [as mães] carregam consigo o legado de violência e caos e podem transmiti-lo em parte aos seus filhos”, garante.
Elbert assume que muitos factores contribuem para uma elevada propensão para a violência no Congo. Ele está convencido, por exemplo, de que se o monopólio do Estado sobre o uso da força acabar e a violência não for contida, a violência pode alastrar-se em ciclos.
Foi o que aconteceu no Congo. Ele defende que este círculo vicioso só possa ser quebrado com psicoterapia apropriada. “A única maneira de o fazer é ajudar as pessoas a sair das suas experiências traumáticas e aprender a compreender melhor a propensão que têm à violência”, explica o pesquisador.
Elbert cita que outro factor seria precisamente a falta de transição da administração colonial para um governo não corrupto e orientado para a paz. Gesine Ames acredita que o nascimento do Congo independente é também decisivo para a compreensão da situação actual.
A administração colonial belga tinha promovido uma política no país que se baseava no clientelismo e interesses particulares. “Em consequência, o Congo teve um começo extremamente difícil quando da sua independência, era um país que não podia realmente agir de forma independente depois de 1960”, constata Ames.
Por sua vez, a Bélgica encorajou o antagonismo. Os conflitos continuaram a ser violentos. Nessa altura, surgiu uma pessoa que encarnou a esperança de um futuro pacífico e independente como nenhuma outra: Patrice Lumumba. O primeiro primeiro-ministro tentou unir o país como poucos, mas foi assassinado em Janeiro de 1961.