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Segunda-feira, Novembro 25, 2024

15 países europeus querem “novas soluções” para transferir migrantes fora da UE

Numa altura em que os 27 acabam de adoptar a reforma da sua política migratória, eurodeputados de 15 países da União Europeia, entre os quais a Dinamarca, a República Checa, a Itália, a Polónia e a Grécia, lançaram colectivamente um apelo junto da Comissão Europeia no sentido de se encontrar "novas soluções" para transferir mais facilmente migrantes ilegais para países terceiros, fora do espaço europeu, inclusivamente depois de operações de socorro no mar.

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FONTE:RFI

Este apelo que surge quando falta menos de um mês para a realização das eleições europeias, com sondagens a anteciparem um forte impulso a favor dos partidos de extrema-direita, reclama “esforços suplementares” ao Pacto Europeu sobre as Migrações e Asilo. Adoptado há poucas semanas, este pacto que deve entrar em vigor a partir de 2026, introduziu um sistema de solidariedade entre os Estados-Membros no acolhimento dos requerentes de asilo, mas introduziu igualmente uma série de restrições à chegada de migrantes, tornando mais fácil a sua expulsão.

Todavia, este dispositivo não vai suficientemente longe do ponto de vista dos eurodeputados signatários da missiva em que pedem à Comissão Europeia “que identifique, elabore e proponha novos meios e novas soluções para prevenir a imigração irregular para a Europa”.

Os parlamentares que apelam à elaboração de mecanismos que permitam “detectar, interceptar e, em caso de emergência, socorrer migrantes em alto mar e levá-los para um local seguro num país parceiro fora da UE, onde possam ser encontradas soluções duradouras para esses migrantes” citam o caso da Itália que recentemente concluiu um acordo para enviar candidatos à imigração para a Albânia, no sentido de os seus pedidos de asilo serem tratados naquele país.

Embora refira que vai examinar as reclamações dos 15 países signatários, a Comissão Europeia deixou claro que “actualmente, todo o seu trabalho e a sua atenção estão concentrados na aplicação” do Pacto Europeu sobre as Migrações e Asilo. Pedro Góis, especialista de questões migratórias e professor na Faculdade de economia da Universidade de Coimbra, não esconde alguma surpresa com estas novas reivindicações e sobretudo expressa algum receio que, a prazo, possam ir avante.

Apesar de termos ficado todos um pouco surpreendidos com as restrições que o Pacto das Migrações já integrava na legislação europeia, nos princípios europeus sobre a imigração, ainda é possível e expectável que o próximo passo seja ainda mais restritivo. Encaro isto com alguma surpresa numa Europa que tem no humanismo um dos seus valores principais”, constata o universitário que não exclui que esta seja uma iniciativa tenha sobretudo objectivos eleitoralistas.

Pedro Góis considera que se pode tratar de uma “tentativa dos Estados e dos governos destes Estados falarem com os seus eleitorados, dizendo-lhe que a Europa está a promover uma política restritiva de migrações. Estranhamente, ou não, alguns dos principais Estados europeus, como a Alemanha ou a França, não fazem parte deste grupo de signatários, o que de alguma forma, ainda nos dá alguma esperança de que seja apenas uma táctica pré-eleitoral e que, após Junho, nada disto gere um novo pacto ainda mais restritivo”.

Apesar disso, o universitário refere que existe a possibilidade de estas propostas servirem de base para novas restrições.”Tudo dependerá muito da evolução política da própria União Europeia. Se os partidos mais a direita, os partidos que mais procuram restringir a imigração tiverem um grande resultado eleitoral, isto significa que eles vão ter influência para além da que já tem nos seus próprios países de origem e, portanto, no Conselho Europeu. Vão ter também influência no Parlamento Europeu e na própria Comissão eleita a partir do Parlamento. Tudo depende da evolução política que vamos ter em Junho. Mas se esta evolução política for, como aparentemente as sondagens nos indicam, uma Europa mais dominada por uma direita radical, isso terá implicações no assumir de políticas ainda mais restritivas”, considera o especialista.

Um dos pontos sobre os quais os signatários da carta dirigida à Comissão Europeia é que se reavalie “a aplicação do conceito de +país terceiro seguro+ na lei europeia sobre o asilo”, como sucedeu, por exemplo com a Grã-Bretanha que adoptou um dispositivo possibilitando a expulsão de migrantes para o Ruanda, considerado como um “país seguro” para o seu acolhimento. Questionado sobre a possibilidade de se transpor para a legislação europeia o modelo britânico, o universitário aponta que “o modelo inglês também não está a funcionar. Copiar um modelo que não é funcional não nos dá garantias de que algo vai correr bem”.

Pedro Góis observa ainda que “entre os países que assinam este documento, temos países que têm pouquíssima imigração, como é o caso da Bulgária, da Polónia ou da Roménia. Portanto, não faz muito sentido que países que não têm uma grande pressão migratória estejam a apelar a que a Europa restrinja ainda mais a chegada de migrantes”.

Por outro lado, o estudioso também não deixa de observar que os acordos que a União Europeia já tem com determinados países, como por exemplo a Turquia desde 2016 ou a Tunísia desde 2023, para uma “externalização” da gestão dos fluxos migratórios também “não são funcionais”.

“Colocamo-nos nas mãos destes países porque trata-se de um ‘filtro’, de uma ‘válvula’ que os países com os quais nós assinámos estes tratados podem abrir a qualquer momento, chantageando a União Europeia por mais fundos. A Turquia já o tentou fazer no passado. Nada nos assegura que os novos Estados que façam parte destes acordos não o farão no futuro”, refere o professor para quem “confiar em países que não respeitam os Direitos Humanos para assinar acordos de prevenção de imigração não parece ser algo que os cidadãos europeus devam reconhecer como parte do humanismo europeu.”

“Nós podemos, com esses países, estabelecer acordos de desenvolvimento para que menos migrantes sintam a necessidade de fugir à miséria. Mas isso é todo um outro caminho que, infelizmente, não faz parte destes pactos”, conclui Pedro Góis.

De acordo com a Agência Europeia de Asilo, a União Europeia acolhe mais de 4 milhões de refugiados ucranianos e conhece um aumento dos pedidos de asilo, que atingiram 1,14 milhões em 2023, o seu nível mais elevado desde 2016. As entradas “irregulares” na UE também estão a aumentar, para 380.000 em 2023, segundo a Frontex.

Os quinze países signatários são a Bulgária, a República Checa, a Dinamarca, a Finlândia, a Estónia, a Grécia, a Itália, Chipre, a Letónia, a Lituânia, Malta, os Países Baixos, a Áustria, a Polónia e a Roménia.

Por Liliana Henriques

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